quinta-feira, 13 de setembro de 2012

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. O nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 32. ed.

Prezados alunos ao 2° ano do ensino médio, este texto é um resumo da obra foucaultiana Vigiar e punir, na sequência há alguns exercícios para a prática. Boa leitura.

Avaliação no dia 22/09/12
 






FOUCAULT, Michel.
Vigiar e punir. O nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 32. ed.

Petrópolis: Vozes, 1987.

HAROLDO REIMER

A obra

Vigiar e Punir de Michel Foucault brinda o leitor com uma análise histórico-filosófica

profunda sobre a estruturação organizativa do Ocidente nos últimos séculos. Essa análise é feita

tomando como foco o sistema punitivo-legal ao longo dos séculos. Com isso, o autor quer

demonstrar como na história recente se chega ao sistema do panoptismo como forma de

vigilância e controle sobre os corpos não só da população carcerária, mas também das brigadas

operárias nas fábricas e dos intermináveis contingentes nas escolas. Segundo o autor, a história

do Ocidente é uma história que pode ser reconstruída sob a ótica do binômio ‘vigiar e punir’.

Trata-se de uma temática que poderia ser demonstrada em qualquer âmbito do cotidiano

histórico, mas nesta obra está mais diretamente relacionada com a dimensão judiciária. O

próprio autor explicita o objetivo de seu livro: “uma história correlativa da alma moderna e de

um novo poder de julgar; uma genealogia do atual complexo científico-judiciário onde o poder de

punir se apóia, recebe suas justificações e suas regras, estende seus efeitos e mascara sua

exorbitante singularidade” (p.23).

O autor divide o seu livro em quatro partes principais. Em cada uma das partes, aborda

momentos históricos distintos, procurando detectar as formas próprias de punição e vigilância

em cada uma das épocas. É evidente que o binômio ‘vigiar e punir’ foi diferentemente

trabalhado em um destes momentos.

Na primeira parte, o autor trata do ‘suplício’. Aqui sua intenção é mostrar como desde a

Antiguidade, passando pela Idade Média e parte da Modernidade, o castigo do corpo do

transgressor era a forma evidente e pública da punição. Essa parte está dividida em dois

capítulos.

No primeiro capítulo, intitulado “O corpo dos condenados” (p. 9-29), Foucault busca mostrar

como o direito e a prática de punir descarrega no corpo dos condenados a sua fúria e vingança

social. Porém, não se trata somente do corpo, mas também da alma da pessoa condenada. A

‘alma’ é a interioridade da pessoa, é o centro nevrálgico que precisa ser atingido para que o

sistema punitivo e de vigilância tenha plena eficácia. “Esta alma real e incorpórea não é

absolutamente substância; é o elemento onde se articulam os efeitos de certo tipo de poder e a

referência de um saber, engrenagem pela qual as relações de um poder dão lugar a um saber

possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos do poder” (p. 28).

No segundo capítulo, “A ostentação dos suplícios” (p. 30-56), o autor procura mostrar como

desde a Antiguidade o recurso direto ao corpo na forma de suplícios públicos é uma forma de

demonstração de poder. Com o suplício das mas variadas formas de torturas físicas, busca-se a

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verdade do crime e ostentar publicamente a punição. “A tortura judiciária, no século XVIII,

funciona nessa estranha economia em que o ritual que produz a verdade caminha a par com o

ritual que impõe a punição” (p. 38). E mais: “o suplício judiciário deve ser compreendido

também como um ritual político. Faz parte, mesmo num modo menor, das cerimônias pelas

quais se manifesta o poder” (p. 41). “O suplício tem então uma função jurídico-política. É um

cerimonial para reconstituir a soberania lesada por um instante” (p. 42). “O suplício se inseriu

tão fortemente na prática judicial, porque é revelador da verdade e agente do poder. Ele

promove a articulação do escrito com o oral, do secreto com o público, do processo de inquérito

com a operação de confissão; permite que o crime seja reproduzido e voltado contra o corpo

visível do criminoso; faz com que o crime, no mesmo horror, se manifeste e se anule. Faz

também do corpo do condenado o local de aplicação da vindita soberana, o ponto sobre o qual

se manifesta o poder, a ocasião de afirmar a dissimetria das forças” (p. 47). Ao final do capítulo,

contudo, o autor indica criticamente que em não raros momentos da história, a histórias

trágicas dos grandes criminosos tornaram-se objeto de admiração, o que ensejava

necessariamente uma alteração na forma da punição.

Na segunda parte, “Punição” (p. 63-198), o autor trata de mostrar com a partir do século XVIII

se dá uma virada para uma punição generalizada.

Isso é objeto do primeiro dos capítulos desta parte, que trata justamente da “punição

generalizada” (p. 63- 86). O objetivo maior desta mudança está dado com o espírito iluminista e

ilustrado presente a partir do século XVII, o qual impunha a máxima de que “é preciso que

justiça criminal puna em vez de se vingar” (p. 63). “Mas, nessa época da Luzes, não é como

tema de um saber positivo que o homem é posto como objeção contra a barbárie dos suplícios,

mas como limite de direito, como fronteira legítima do poder de punir” (p. 64). A partir daquele

momento não se tratava mais de ostentar toda a possível vingança do poder absoluto do

soberano sobre o corpo do condenado, mas a punição deveria ser alcançada “à custa de

múltiplas intervenções” (p. 64). A mudança na base econômica, com a estabilização da

burguesia, certo bem-estar social mais amplamente distribuído leva a uma nova postura em

relação à arte e à política de punir. Isso levou a uma reforma do sistema. “A reforma do direito

criminal deve ser lida como uma estratégia para o remanejamento do poder de punir, de acordo

com modalidade que o tornam mais regular, mais eficaz, mais constante e mais bem detalhado

em seus efeitos; enfim, que aumentem os efeitos diminuindo o custo econômico (ou seja,

dissociando-o do sistema da propriedade, das compras e vendas, da venalidade tantos dos

ofícios quanto das próprias decisões) e seu custo político (dissociando-o do arbítrio do poder

monárquico” (p. 69). Houve, assim, um gradual deslocamento da punição “da vingança do

soberano à defesa da sociedade” (p. 76).

Isso o autor trata de demonstrar no capítulo II da segunda parte, quando trata da “mitigação

das penas” (p. 87-109). Ele vai mostrando como, ao longo do século XVIII, há várias

modalidades punitivas e chega, ao final capítulo a dizer que no final deste século nos

encontramos diante de três maneiras de organizar o poder de punir. “A primeira é a que ainda

estava funcionando e se apoiava no velho direito monárquico. As outras se referem, ambas, a

uma concepção preventiva, utilitária, corretiva de um direito de punir que pertenceria à

sociedade inteira; mas são muito diferentes entre si, ao nível dos dispositivos que esboçam.

Esquematizando muito, poderíamos dizer que, no direito monárquico, a punição é um

cerimonial de soberania; ela utiliza as marcas rituais da vingança que aplica sobre o corpo do

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condenado; e estende sob os olhos dos expectadores um efeito de terror ainda mais intenso por

se descontínuo, irregular e sempre acima de suas próprias leis, a presença física do soberano e

de seu poder. No projeto dos juristas reformadores, a punição é um processo para requalificar

os indivíduos como sujeitos de direito; utiliza, não marcas, mas sinais, conjuntos codificados de

representações, cuja circulação deve ser realizada o mais rapidamente possível pela cena do

castigo, e aceitação deve ser a mais universal possível. Enfim no projeto de instituição carcerária

que se elabora, a punição é uma técnica de coerção dos indivíduos; ela utiliza processos de

treinamento do corpo – não sinais – com os traços que deixa, sob a forma de hábitos, no

comportamento” (p. 107-8).

A terceira parte do livro intitulada de “Disciplina” (p. 117-187) constitui por assim dizer o

coração da demonstração do novo sistema punitivo engendrado a partir do século XVIII. Essa

parte está dividida em três capítulos, que tratam de descrever as facetas ‘modernas’ da criação

da disciplina como forma de inscrever na representação o ideário de ‘vigiar e punir’.

No capítulo I (p. 117-142), o autor trata de descrever as ‘modernas’ formas e tecnologias para

criar “corpos dóceis”. Uma das premissas para isso é a “arte das distribuições”, isto é,

distribuições de espaço e de corpos no espaço. Deve haver uma tendência a criar a disciplina a

partir da arte de distribuição. Um segundo ponto é o controle da atividade dos corpos

distribuídos no espaço. A organização das gêneses e a composição das forças também fazem

parte deste ideário de controle social.

No capítulo II, o autor trata dos “recursos para o bom adestramento” (p. 143-162). Pressuposto

inicial para o ‘bom adestramento’ é a ‘vigilância hierárquica”. Isso o autor demonstra no

exemplo de escolas e também de fábricas, com a distribuição de micro-poderes de vigilância

autorizados por uma autoridade hierárquica superior. Toda a lógica militar reside sobre esse

princípio. A “sanção “normalizadora”, que deve ser genérica, bem como o “exame” são outras

formas para se logra um bom adestramento dos corpos. “O exame combina as técnica da

hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza” (p. 154). “A escola torna-se uma espécie de

aparelho de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu comprimento a operação do

ensino” (p. 155). Na vigilância e na normalização, opera-se uma ‘individualização’. Não é,

porém, uma individualização ‘ascendente’, que projeta a pessoa para o cenário principal. “Num

regime disciplina, a individualização, ao contrário, é “descendente” à medida que o poder se

torna mais anônimo e mais funcional, aqueles sobre os quais se exerce tendem a ser mais

fortemente individualizados; e por fiscalizações mais que por cerimônias, por observações mais

que por relatos comemorativos, por medidas comparativas que têm a “norma” como referência,

e não por genealogias que dão os ancestrais como pontos de referência; mais por “desvios” que

por proezas” (p. 160-1).

No último capítulo desta parte, o autor trata do ‘panoptismo’, que é uma forma de vigilância

(quase) total que permite o olhar sobre os menores movimentos e sobre os mínimos detalhes de

um caso ou de um condenado. O que se objetiva é o “indivíduo disciplinar”. “O ponto extremo da

justiça penal no Antigo Regime era o retalhamento infinito do corpo do regicida: manifestação do

poder mais forte sobre o corpo do maior criminoso, cuja destruição total faz brilhar o crime em

sua verdade. O ponto ideal da penalidade hoje seria a disciplina infinita: um interrogatório sem

termo, um inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais

analítica, um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca

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encerrado, o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade implacável de um

exame, uma procedimento que seja ao mesmo tempo a medida permanente de um desvio em

relação a uma norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontrá-la no infinito”

(p. 187).

Com base nestes trabalhos de exame de evidências históricas e de exaustiva atividade de

reflexão analítica, Foucault chega à quarta parte a tratar da “Prisão” (p. 195-254). A parte está

dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, trata-se das prisões como “instituições

completas e austeras”. No segundo, sobre “ilegalidade e delinqüência” e, por fim, está em

evidência o indivíduo dentro da instituição carcerária.

Um ponto de destaque nesta parte está colocado logo no início, quando o autor afirma: “A prisão

é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A formaprisão

preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho

judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os

indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e

o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los

numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação,

registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma

geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho

preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por

excelência” (p. 195).

No segundo capítulo, o autor trata do tema da ilegalidade e da delinqüência e, após várias

análises e reflexões, chega à conclusão que o sistema punitivo privativo de liberdade não atende

aos anseios de prevenção e ressocialização. O próprio estabelecimento punitivo tende a ser um

micro-espaço de reprodução de ilegalidade e delinqüência, no qual o corpo policial tem uma

contribuição significativa. A prisão permanece sendo um modo eficaz de punição. Mas, o autor

também chega à conclusão de que sem estas instituições a sociedade não saberia o que fazer

com os indivíduos criminosos, cujo tratamento seria quase impossível fora de tais

estabelecimentos. Mas não se trata de uma instituição isolada do corpo social; está “ligada a

toda uma série de outros dispositivos “carcerários”, aparentemente bem diversos – pois se

destinam a aliviar, a curar, a socorrer –, mas que tendem todos como ela a exercer um poder de

normalização”.

O autor fecha o seu livro com a afirmação de que na genealogia do sistema prisional

contemporâneo, fundado no binômio ‘vigiar e punir’, há o ronco surdo de uma batalha a ser

ouvido. “Nessa humanidade central e centralizada, efeito e instrumento de complexas relações

de poder, corpos e forças submetidos por múltiplos dispositivos de “encarceramento”, objetos

para discursos que são eles mesmos elementos dessa estratégia, temos que ouvir o ronco surdo

da batalha” (p. 254).

A leitura deste livro deveria ser, sempre, ‘obrigação’ de todo estudante de Direito. Mas para

além desta espécie, o livro é extremamente elucidativo para melhor compreensão do sistema

organizacional, disciplinar de toda a nossa sociedade. Vigiar e punir há muito já afetaram a

‘alma’, este espaço interior por onde se maquinam as ingerências externas do poder social. Não

último, a interiorização do ‘vigiar e punir’ se evidenciam no fenômeno midiático do

big brother que é mais uma forma sutil de alojar ainda mais profundamente a dupla função de vigiar e ser vigiado.



 

Atividades
 
1 Ao tratar do tema disciplina, Michel Foucault apresenta o conceito corpos dóceis. Levando em consideração as informações apresentadas em seu livro Vigiar e Punir, pode-se afirmar que:

I. A expressão corpos dóceis revela uma condição consciente e livre no processo de disciplinarização
dos indivíduos.
II. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado.
III. O soldado é utilizado pelo autor como exemplo de docilidade quando ele afirma que o soldado tornou-se algo que se fabrica, ou seja, foi expulso o camponês e lhe foi dada a fisionomia de soldado.
IV. Docilidade se assemelha à escravidão, pois ambas se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos.

A) Apenas as assertivas II e III.
B) Apenas a assertiva III.
C) Apenas as assertivas III e IV.
D) Apenas as assertivas I e II.
E) Apenas a assertiva IV.

2.Para Foucault, as sociedades democráticas criaram uma nova forma de exercício de poder. Entretanto, segundo ele: “A ‘invenção’ dessa nova anatomia política não deve ser entendida como uma descoberta súbita. Mas como uma multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, de origens diferentes, de localizações esparsas, que se recordam, se repetem, ou se imitam, apoiam-se uns sobre os outros, distinguem-se segundo seu campo de aplicação, entram em convergência e esboçam aos poucos a fachada de um método geral.
Encontramo-los em funcionamento nos colégios, muito cedo; mais tarde nas escolas primárias; investiram lentamente o espaço hospitalar; e em algumas dezenas de anos reestruturam a organização militar. Circularam às vezes muito rápido de um ponto a outro (entre o exército e as escolas técnicas ou os colégios e liceus), às vezes lentamente e de maneira mais discreta (militarização insidiosa das grandes oficinas). A cada vez, ou quase, impuseram-se para responder a exigências de conjuntura: aqui uma inovação industrial, lá a recrudescência de certas doenças epidêmicas, acolá a invenção do fuzil ou as vitórias da Prússia”.
(Vigiar e Punir, p. 118).


Segundo o autor, pode-se afirmar que:
I. A partir do século XVII se desenvolve nas sociedades chamadas democráticas uma nova forma de exercício de poder, no que tange aos modos de punição e disciplina, que se distingue daquela usada nos regimes absolutistas europeus.
II. A partir dos séculos XVII se verifica o crescimento de um modelo de exercício da disciplina que usa como parâmetro os mesmos moldes dos regimes absolutistas, ou seja, a punição direta sobre os corpos como forma de restituição do poder central.
III. A partir do século XVII o poder passa a ser usado como forma de repressão sobre o corpo dos indivíduos a partir de um poder central, aos moldes dos modelos absolutistas.
IV. O modelo do panóptico serve de exemplo de um novo mecanismo de poder no qual se privilegia o controle do tempo, a organização do espaço e o registro continuado da conduta dos indivíduos.
Está(ão) CORRETA(S):


A) Apenas as assertivas II e III.
B) Apenas a assertiva I.
C) Apenas as assertivas I, II e III.
D) Todas as assertivas.
E) Apenas as assertivas I e IV.
3. O pensamento de Michel Foucault exerce influência atualmente em várias áreas do conhecimento humano e da produção científica. Foucault produziu sua obra na segunda metade do século XX, e sobre ela é CORRETO afirmar que
A) sofreu forte influência do positivismo.
B) abordou, de forma praticamente pioneira, temas, como a loucura e a sexualidade.
C) refutou idéias defendidas por Nietzsche no século XIX.
D) desenvolveu propostas levantadas anteriormente por Habermas.
E) encontrou no pragmatismo sua melhor classificação.

4. As obras de Gilles Deleuze e de Michel Foucault estão ligadas à chamada
A) Arqueogenealogia.
B) Psicanálise.
C) Fenomenologia.
D) Hermenêutica.
E) Lingüística.

 



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